- Pior que esse, só o terceiro gol do Zidane na final de 98.
Estavam falando sobre futebol. Claro, sobre o que mais? Em pleno período de Copa do Mundo, não parece haver outro assunto possível. Concordavam em quase tudo. Nem sabiam mais quantas já tinham bebido e o álcool não os deixava mais discordar um do outro. Mas, naquele momento, a conversa ficou tensa.
Um disse que o pior momento da sua vida tinha sido o gol do Caniggia na Copa de 90. E o outro discordou! O bar já estava em silêncio há algum tempo. Ninguém poderia perceber a tensão que foi gerada. Também não tinha ninguém no bar. Mas, quando o outro retrucou, o ar, de tão denso, poderia ter sido cortado, se houvesse uma faca na mesa. Felizmente, não havia. Houvesse, caro leitor, e a discussão poderia ter sido brusca e tragicamente terminada naquele momento.
- Não - disse o primeiro.
- Sim. Aquele gol matou o time do Zagallo.
- Sim.
- Peraí, sim ou não? Você tem que se decidir!
- Sim! Quer dizer, não! Você está querendo me confundir. O gol matou o time do Zagallo, mas, o gol do Caniggia foi muito pior. Não pode ter nada pior do que perder para a Argentina.
- Claro que existe. Sonhar que está beijando a sogra!
- Mas, a gente não tava falando de futebol?
- Ah, então sogra não ta valendo?
- Claro que não. A gente tá falando de Brasil e Argentina.
- Não. A gente tá falando do gol do Zidane.
E o clima esquentou mais ainda, daquela forma que só é possível num encontro entre os presidentes dos Estados Unidos e do Irã, ou entre o presidente de Israel e o líder da autoridade Palestina.
- Pois eu poderia apostar que o gol do Caniggia foi pior.
- Feito. O que está em jogo?
- Isso é um problema. Dinheiro eu não tenho mais.
- Cerveja?
- A gente já pagou a conta!
- E nem perceberam que a gente não tinha o dinheiro todo.
Uma estrondosa risada cúmplice rompeu, momentaneamente, o clima gelado que havia se criado. Por pouco tempo.
- Eu poderia apostar a minha vida na sua como o gol do Zidane foi pior.
- Claro que não. Só um idiota apostaria sua própria vida por causa disso.
- Não se você tem tanta certeza que vai ganhar. Eu estou disposto. Mas, se você está com medo, tudo bem...
- Não – e relutou, mas, enfim, concordou - Eu topo.
- Muito bem. Aposta fechada.
Apertaram as mãos. Precisavam achar alguém que servisse de árbitro para a disputa.
- Eliomar – esse era o garçom – você pode vir aqui um instante?
- A gente vai fechar. Acabou a cerveja!
- Num é cerveja, não, Eliomar. Vem cá.
- O que que vocês querem?
- Eliomar, você tá assistindo a Copa?
- Tô sim – respondeu rápido, o garçom, sem deixar os bêbados falarem muito.
- Me diga uma coisa – começou o fã do Caniggia – qual foi o pior gol que o Brasil levou numa Copa: o do Caniggia em 90 ou o terceiro do Zidane em 98?
- O do Zidane, lógico!
- Ahá! – vibrou o fã do Zidane – Eu sabia. Muito bem. Vamos pagar a sua dívida.
Resignado, como só um bêbado pode ser, dada a falta de seriedade do assunto - quer dizer, a seriedade que faltava ao assunto quando ele começou. No fim das contas o problema era sério – levantou-se para cumprir a aposta.
Saíram do bar, discutindo como seria a melhor forma de pagar a aposta. Chegaram à conclusão de que a única forma possível seria dirigirem-se à ponte da cidade. De lá, o perdedor saltaria para encontrar o seu destino.
- E se a gente encontrasse alguma coisa errada na aposta? Algo que a tornasse inválida!
- Como o quê?
- Não sei. Mas, se a gente encontrasse?
- Bom, acho que, se a gente encontrasse, você não teria perdido a aposta, porque, nesse caso, ela não estaria valendo. Mas, a gente não vai encontrar. Eu nem vou ajudar a procurar.
- Por que não? Nós somos amigos ou não?
- Somos. Mas, você acha que eu esqueci aquele beijo que você deu na Silvinha no dia do gol do Zidane?
Silvinha havia se casado com ele. Mas, antes disso, tivera um rolo com o outro.
- Mas, vocês nem se conheciam – disse assustado o traidor.
- Não importa. Mulher de amigo tem que ser sagrada.
- Ela não era sua mulher!
A argumentação não pôde ser concluída. Eles chegaram à ponte. Desceram do carro. O fã do Caniggia foi caminhando em direção à borda.
- Espera – disse o outro.
Ele surpreendeu-se. Deve ter pensado que o outro o teria anistiado de sua derrota.
- Pega – e estendeu a mão – o escudo da camisa que você deu pra Silvinha. Eu carregava sempre, afinal, nunca se sabe quando vai ser necessário.
- Ah, obrigado – falou desconsolado. Apertaram as mãos – você é um grande cara – e as lágrimas quase rolavam-lhe pelo rosto.
- E você é um bom perdedor.
E não acrescentou mais nada.
O outro pensou em contestar novamente, mas, o álcool ainda não o deixava raciocinar direito. Voltou a andar em direção ao fim. Esperava ouvir a voz do amigo chamando-o de volta. Não ouviu. Ía pular quando lembrou de algo. Deu meia volta, mas desequilibrou-se. Não deu tempo de dizer.
O beijo tinha sido na Soninha. A irmã gêmea da Silvinha.
E, o terceiro gol do Zidane, como ele pensava, não poderia ter sido pior que o do Caniggia. Quem marcou o terceiro gol da França não foi o Zidane. Não deu tempo. Ainda assim, ele gritou. Gritou como quem comemora um gol. E morreu. Mas, morreu satisfeito. Não tinha apostado em vão. Morreu em vão, ainda assim.
Quase no carro, o outro ouviu um grito:
- Petiiiiiiiiiiiittttttttttttttttt!!!!!!!!
E lembrou. O gol tinha sido do Petit e não do Zidane. O Remorso ainda pensou em bater, mas lembrou:- Não... ele beijou a Silvinha. Ou teria sido a Soninha?
Por Fernando Palhano (@realfpalhano)
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GENIAL!
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