Autógrafo

23.6.10 | comentários: 0
É cada vez mais frustrante ir ao centro da cidade em busca de bons sebos. Porque é cada vez mais raro encontrar bons livros antigos, a não ser que, além de gostar deles, você tenha certa propensão à arqueologia. É necessário entrar sem medo. Ir mais para os fundos da loja e às prateleiras mais inferiores. Todo o resto está tomado por livros recém-saídos das livrarias.

Livro novo, gente. Daqueles que você abre e o folheia perto do nariz só pra sentir o cheiro das páginas pouco manuseadas e sem poeira. Isso não é livro de sebo.

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José Saramago em noite de autógrafos promovida pela Cia das Letras em 2003

Surgiu na minha frente, na Biblioteca Central Zila Mamede, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte [doravante chamada, se necessário for, apenas “biblioteca”], “Que farei com esse livro?”. José Saramago. Eu, estudante de História em meio de curso, um tanto quanto comunista [daqueles comunismos de alunos das humanidades] e candidato à intelectualidade, não podia deixá-lo passar. Peguei e comecei a leitura.

Três peças: São Francisco de Assis volta à terra e descobre que a sua ordem, fundada no amor à Senhora Pobreza, havia se tornado uma rica corporação comandada de maneira quase empresarial. Um jornalista e sua redação em Portugal da Revolução dos Cravos. Luís de Camões que buscava dinheiro para publicar o seu “Os Lusíadas”, recém escrito.

“Que farei com este livro?”, aliás, é pergunta colocada na boca do maior símbolo das letras lusitanas, que ainda acrescenta: “Se eu fosse esmolar pelas ruas e praças talvez me dessem dinheiro para comer. Mas não mo dariam se seu dissesse que o destinava a pagar ao livreiro que me imprimisse o livro”. Foi meu primeiro Saramago. E o acaso não poderia me ter sido mais generoso. Tivesse começado em “A história do cerco de Lisboa” e, talvez, não tivesse ido além com o autor.

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Frequento sebos desde muito tempo. Meus primeiros livros de sebo são “Morte no Nilo” e “Depois do Funeral”, comprados quando tinha 13 anos. O mesmo ano que li “Venha ver o pôr-do-sol e outros contos”, de Lygia Fagundes Telles. Todos eles me marcaram muito e foram importantíssimos para a minha formação de leitor e, por que não?, escritor. O último, especialmente. Os contos são até hoje minha leitura preferida. Talvez por isso, acabo escrevendo muito mais que outros tipos de textos. Se você não gosta do que está lendo aqui, marque uma hora com Lygia Fagundes Telles na Academia Brasileira de Letras e faça suas queixas.

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Na última sexta-feira, 18 de junho, morreu o escritor português José Saramago.

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 "O Ano da Morte de Ricardo Reis" com anotações do próprio Saramago
Fonte: Arquivo da Blioteca Nacional Digital (clique na imagem para ampliá-la)

Há uns 3 anos, andando pelo centro da cidade, resolvi explorar um sebo. Encontrei uma edição de “Levantado do Chão” custando dez reais. Comprei-o e, pouco tempo depois, notei que a dedicatória nas primeiras folhas estava assinada pelo próprio autor. Já não tenho mais o livro. Dei de presente para um amigo. Mas é verdade. Quem quiser duvidar, que duvide.