A baiana de qualquer lugar

31.7.10 | comentários: 4
Daniela Mercury é uma das principais vozes da música baiana. Ganhou ascensão no início dos anos 90 com a eclosão do samba reggae, depois intitulado de axé. O ritmo chegou aos quatros cantos do Brasil com o single 'O canto da cidade', retirando a melancolia da música sertaneja que imperava na época. Passados os anos, outros artistas foram aparecendo, alguns, apresentavam teor pornográfico nas músicas ou “pegaram a onda” da música da moda, no entanto, poucos artistas conseguiram se manter nesse turbilhão musical.


O axé, na maioria das vezes, foi visto como um “gênero” musical menor, como se a música feita para dançar não tivesse seu mérito na MPB. Fazendo uma breve análise da discografia da eterna rainha do axé, desde o 'swing da cor' em que os tambores do Neguinho do Samba e Olodum começavam a sair de seus guetos e chegar na “área sul” até as inovações eletrônicas misturadas com a percussão baiana em 'Carnaval Eletrônico', todo seu trabalho fonográfico tem uma preocupação estética, que vai desde da concepção dos discos até o show intitulado com o mesmo nome.

Depois de 12 discos lançados, cada qual com sua característica específica, Canibália chegou às lojas em novembro de 2009. Apesar da crítica tardia, é preciso falar do mérito desse disco. Lançado com cinco capas diferentes: “Oya por nós”, “Sol do Sul”, “O que é que a baiana tem?”, “Cinco meninos” e “Trio em transe”. Os discos são compostos pelas mesmas 14 canções, mas, com ordens diferentes, se prendendo a concepção da música título. 

Em “Trio transe”, Daniela canta um samba com a pegada de rap fazendo homenagem ao cinema (“Ser a sétima arte no sétimo dia, ser a majestade da rebeldia, recriando o mundo assim como eu queria”).

O “Oya por nós” começa com 'Tecnomacumba', com a participação especial da Margareth Menezes. Essa é uma das músicas mais animadas do disco, impossível ficar parado ao escutar essa homenagem a Iansã.
'Sol do sul' é um reggae gostoso de escutar que valoriza a latinidade do nosso povo, exaltando a união da América Latina. 'Cinco meninos' é a música mais calminha, um poema familiar escrito e cantado pelos integrantes da família de Daniela. O sentimento familiar é apreciado nessa música reflexiva que arrebata qualquer um que escute.

Por fim, é chegado ao 'O que é que baiana tem?'. As inovações tecnológicas possibilitaram um encontro póstumo de Carmem Miranda e Daniela ao cantar esse sucesso de Caymmi. O disco ainda é composto por 'Preta' o samba reggae que exalta a negritude e tem a participação do Seu Jorge.

'A vida é um carnaval', regravação da cantora latina Celia Cruz, uma das minhas preferidas! Além de 'O que será' do Chico Buarque, que ganhou uma versão mais “acústica”. 'This life is beatiful' tem a participação do rapper Wyclef e parece uma música que apresenta o Brasil para os “gringos”. 'One Love', 'Castelo Imaginário', 'Dona desse lugar', 'Bênção do Samba' e ‘Tico – tico no Fubá' completam essa festa “canibalesca”.

Canibália não é o melhor disco de Daniela, porém, ele consegue fazer jus ao nome: devorar os vários gêneros musicais, misturar e criar uma identidade. A eterna rainha do axé comprova mais uma vez que a sua arte ultrapassa os preconceitos musicais. 

É um disco que mostra a sua essência de pesquisa e inovação musical. É possível apreciar essas “misturas” em sua discografia. Desde o 'Música da rua' com a inserção do rap, 'Feijão com arroz' em que os elementos de sopro abastecem o disco até o mais conceitual 'Balé Mulato'. Todas essas experiências são sintetizadas no Canibália. 

A Mercury sempre teve essa necessidade de ir além do estereótipo. Não é a toa que já colocou DJ, piano de calda, coral e orquestra em cima do trio. Resta esperar a próxima inquietude artística dessa artista que foi descrita em música de Lenine da seguinte forma:


“Sou de qualquer lugar
Eu sou minha nação
Tenho somente o sonho
E o mapa do mundo em minhas mãos
Por onde eu passar
Vão lembrar de mim
Finco minha bandeira
Eu sou brasileira, eu nasci assim”



Escrito por Bernardo Luiz