Truculência

26.9.10 | comentários: 0
Este texto é o primeiro de uma série que tem como tema "A arte sobrevive respeitando e servindo à violência", retirada de crônica de Benhur Bortolotto, que é também autor de "O Arcanjo Inconfidente".


Eu sempre quis ser escritora. Sempre quis ter uma máquina de escrever, acho tão romântico. Principalmente agora, quando resolvo atender ao desatinado pedido de Fernando Palhano, para que eu escreva algo sobre a frase: "A arte sobrevive respeitando e servindo à violência". Nossa! E quem sou eu pra escrever sobre isso? Sou uma dessas que respeita e serve a ela. Desde o simples ato de matar os animais e comê-los feliz, à minha forma de amar, à minha música, ao meu amor às palavras como "truculência", ao meu forte desejo de ser ouvida, por isso eu grito.


Quando criança, eu era uma menininha quase muda, tímida, incapaz de compreender as diferenças e a metodologia de ensino, angustiada com questões existenciais (acredite!). Detestava minha escola, não me sentia bem de uma forma geral. E fui uma criança perseguida por esses garotos que adoram atormentar outras crianças. Eu tinha um perseguidor na sala, um no recreio e outro na volta pra casa. O garoto da volta pra casa não me agredia fisicamente, mas moralmente me assustava muito. Sofri até me tornar hostil e ardilosa e comecei a fazer planos pra driblar os meus algozes. E assim fui me virando, outras agressões foram aparecendo, algumas não tenho coragem de contar. O fato é que chegada a idade adulta, que tanto almejei, depois de ser violentada a vida toda, de passar pela auto-punição até resolver ser feliz, a tal violência faz parte da minha linguagem.

Parece que eu gosto da violência? Sim eu gosto "da delícia da força bruta". Sim eu a uso pra que você me ouça, eu não posso fingir que ela não esteve em minha vida na pior de suas formas, desde o início. Não posso negar que luto contra ela, usando-a a meu favor. Aceitando a minha própria violência pra buscar o nosso bem, para ganhar nosso prazer, porque sou livre. Assustadoramente livre e quero que meu homem seja livre, meu filho, meu pai, minha vizinha. Porque não quero que ninguém me bata na cara, não sem que eu peça.

Por Simona Talma
(@simonatalma)